segunda-feira, 29 de outubro de 2018

beijar os avós

Depois das declarações de um dito senhor, professor universitário ter dito o seguinte: Vejam... 


Compreende-se. A pessoa distrai-se e, vai daí, eles pespegam três e quatro beijos de cada vez

Eu também acho que devia ser proibido que as crianças sejam obrigadas a darem um beijinho aos avós. Porque os avós são um bocadinho “atrevidos” e nunca se contentam, unicamente, com um beijinho. Uma pessoa distrai-se e, vai daí, eles dão aos três e aos quatro beijos de cada vez. Abraçam uma criança com tanta força que não só a amarrotam como quase a estrafegam. E, como se isso não fosse já de si um abuso a propósito da sua auto-determinação, ainda lhe dizem - alto e em bom som - coisas embaraçosas do género: “meu amor”, “minha riqueza” ou “luz dos meus olhos”. E isso é mau. Porque às crianças deve ser dado o dever de reserva que não tenha de levar os pais a lembrarem-lhes que os avós são uma espécie de “reserva natural” da bondade humana e que tudo o que eles trazem de adocicado à sua vida - regras numa versão de “algodão doce”, mimos sem restrições dietéticas e colo na sua cotação máxima e à margem de quaisquer oscilações dos spreads - são maus hábitos e maus exemplos porque o amor se quer asséptico. Aliás, lembrar aos nossos filhos que beijar os avós é um gesto de gratidão ao que o amor humano tem de mais sagrado torna-se perigoso.

Ironia à parte, deixem que vos lembre que aqueles que acham que o beijo dos avós traz às crianças um constrangimento que, mais tarde, as convida para a violência talvez nunca tenham tido avós, como mereciam, e talvez tenham confundido, contra tudo aquilo que mais lhes era devido, reconhecimento com constrangimento. Por isso mesmo, confundir gestos de bondade com sementes de violência é insensato, imprudente e - desculpem-me! - muito pouco inteligente. Não é, pois, justo que, em nome da democracia, haja quem queira colocar em liberdade condicional tudo o que a Humanidade de mais esclarecidos e de mais sublime nos trouxe.

Portanto, se me permitem, é tempo de não confundirmos condicionamento e medo, com boa educação e com gestos de gratidão para com o amor, por favor. Beijar os avós não é boa educação. (E, já agora, beijar os avós não é beijar os avózinhos. Porque da mesma forma que as crianças não merecem ser diminuídas e tratadas como se fossem criancinhas, os avós são, também eles, demasiado preciosos para serem tratados dessa maneira). Beijar os avós não é, desculpem, educar para a violência sobre o corpo do outro. É educar para o reconhecimento que, quando se toca no corpo dos avós, nos faz sentir que, por mais que haja maus ou invejosos que nos queiram afastar da bondade humana, os avós, ao deixarem-nos, em cada beijo, chegar bem mais perto da sua alma, ajudam-nos a perceber que, enquanto houver avós que se insubordinem e que beijem os seus netos, o mundo, apesar de toda a sua insensatez, será um lugar com uma memória. E com futuro.

Eduardo Sá

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