“Aconteceu estar descendo pela mesma estrada um sacerdote. Quando viu o homem, passou pelo outro lado. E assim também um levita; quando chegou ao lugar e o viu, passou pelo outro lado.” (Lucas 10.31-32)
Veja esses dois homens. Um sacerdote e um levita. Ambos representantes importantes e característicos da religião judaica, do culto do templo. Perguntado sobre como viver e agradar a Deus, ou como viver para obter a vida eterna, ou sobre como viver e experimentar o Reino de Deus (os temas são coincidentes), Jesus lançou mão da imagem desses dois homens da fé. E com isso demonstrou que é possível nos desviarmos da vontade de Deus pensando estarmos justamente fazendo a vontade de Deus. Aqueles dois homens, na narrativa de Jesus, passando pelo caminho viram o homem em profunda necessidade. Ele corria risco de morte, havia sido agredido e abandonado. Estava ferido. Mas os dois religiosos, vendo-o, passaram de lado. Por quê?
Um motivo quase certo era o fato de que, segundo criam e seguindo a tradição, caso tocassem em sangue ficariam impuros e precisariam submeter-se a ritos de purificação. E até que se completassem os dias de sua purificação, não poderiam entrar no templo e participar da liturgia. Não poderiam “servir a Deus”. Não havia dúvida: entre servir àquele homem que talvez até tivesse merecido o mal que lhe sobreveio, um desconhecido, e servir a Deus, eles obviamente escolheram servir a Deus. A fé que tinham em Deus era de um tipo mais caracterizado pela relação com o invisível do que com o visível. Mais apegada a ritos que a atitudes amorosas. Mais inclinada a acreditar no sagrado como um espaço reservado do que uma experiência relacional. E surge nisso uma categoria que coloca Deus de um lado e as pessoas de outro. Para se ser fiel a Deus seria necessário deixar de lado as pessoas.
Jesus estava ensinando a um mestre da lei, que mesmo sabendo tanto da “palavra de Deus”, havia se perdido de Deus. Um homem tão certo sobre como fazer a vontade de Deus que a contrariava cegamente. Desviar-se da vontade de Deus “crente” que estava em harmonia com ela. Um tipo de erro do pior tipo, porque normalmente só nos damos conta dele depois de muito tempo. Quando nos damos! É o mesmo de pais que fazem mal aos filhos mas desejavam fazer o bem. Movidos por suas certezas, entregam um amor que é desamor. Como não errar assim em nossa espiritualidade? Precisamos nos voltar para a simplicidade do Evangelho e perceber que não podemos servir a Deus de outra forma que não o serviço às pessoas. Que não podemos amar a Deus sem amar as pessoas. Que não fomos chamados para julgar, mas para amar e servir. Se é possível não servir a Deus, pensando estar servindo? Sim, com certeza. E acontece o tempo todo. Devemos ter cuidado!
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